LUSÍADAS: ANÁLISE CONSÍLIO DOS DEUSES

ANÁLISE INÊS DE CASTRO

Início da Viagem e Consílio dos Deuses

(Canto I, estâncias 19–41)

 

Estrutura externa

Canto I, est. 19–41

Estrutura interna

Narração

Narrador: Poeta
Plano narrativo: Plano da viagem e plano mitológico

Início da narração (Plano da viagem)

A estância 19 marca a abertura do plano da viagem. Seguindo o modelo clássico, a ação inicia-se in medias res, uma vez que os navegadores se encontram já no Canal de Moçambique, a meio da viagem marítima.

A primeira parte da viagem, desde a partida de Lisboa, será relatada posteriormente por Vasco da Gama, por meio de uma analepse (relato de acontecimentos ocorridos anteriormente).

Consílio dos deuses (Plano mitológico)

1.ª parte – Convocação do consílio (est. 20–21)

Imediatamente após o início do plano da viagem, surge o plano mitológico, dando ao leitor a ideia de que estes dois planos funcionarão paralelamente ao longo de toda a obra, constituindo a ação central d’Os Lusíadas.

O consílio é convocado por Júpiter, pai dos deuses, por intermédio de Mercúrio. Respondem a esta chamada deuses de todos os lados, como se descreve na estância 21.

Esta reunião tem como objetivo decidir “Sobre as cousas futuras do Oriente” (est. 20), ou seja, os deuses terão de decidir sobre o futuro dos portugueses — nomeadamente se estes chegarão à Índia, vencendo os mares “nunca de antes navegados”.

2.ª parte – Descrição de Júpiter (est. 22–23)

A reunião tem lugar no Olimpo. Os deuses sentam-se por ordem de importância, tendo Júpiter um lugar de destaque.

O pai dos deuses é apresentado, através de caracterização direta, como um deus superior (realçado pelos adjetivos “soberano” e “alto” — est. 22), envolto numa áurea divina (“ar divino” — est. 22).

O poder de Júpiter é também marcado pelo facto de ser aquele que “vibra os feros raios de Vulcano” (est. 22) e pelos símbolos que lhe estão associados: a coroa, o cetro e o assento de estrelas cristalino (est. 22).

A hierarquia divina é sublinhada pelo espaço: “Precedem os antigos, mais honrados; / Mais abaixo os menores se assentavam” (est. 23).

3.ª parte – Discurso de Júpiter (est. 24–29)

Júpiter faz o discurso de abertura do consílio, apresentado em discurso direto, o que reforça a sua importância.
O discurso divide-se em vários momentos — passado, presente e futuro dos portugueses — e visa convencer os deuses de que a decisão de os ajudar é a mais justa.

Estrutura do discurso:

1.º momento (est. 24) – Dirige-se aos deuses (apóstrofe):
“Eternos moradores do luzente, / Estelífero Pólo e claro Assento”.
Recorda-lhes que os Fados já determinaram o êxito dos portugueses:
“é dos Fados grandes certo intento / Que por ela se esqueçam os humanos / De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.”

2.º momento (est. 25–26) – Evoca o passado glorioso dos portugueses: venceram mouros e castelhanos; recorda ainda Viriato e Sertório, heróis que resistiram aos romanos.

3.º momento (est. 27) – Refere-se ao presente: destaca a coragem dos portugueses que, embora frágeis face ao mar (“lenho leve”), enfrentam o desconhecido, “os berços onde nasce o dia”.

4.º momento (est. 28) – Primeira profecia do poema: o “Fado eterno” determinou que os portugueses dominassem o Oriente.

5.º momento (est. 29) – Conclui que os nautas devem ser “agasalhados / Nesta costa Africana como amigos” e seguir até à Índia.

4.ª parte – Reações ao discurso de Júpiter (est. 30)

Os deuses dividem-se em dois grupos:

  • os que concordam com Júpiter;
  • os que discordam da sua decisão.

5.ª parte – Intervenção de Baco (est. 30–32)

O primeiro a reagir é Baco, deus do vinho, contrário à decisão de Júpiter.
Baco, que dominava o Oriente, teme perder o seu prestígio e ser esquecido pelos poetas:

“Teme agora que seja sepultado / Seu tão célebre nome em negro vaso / D’água do esquecimento, se lá chegam / Os fortes Portugueses que navegam.” (est. 32)

6.ª parte – Intervenção de Vénus (est. 33–34)

Vénus apoia Júpiter e os portugueses. As suas razões:

  • Os portugueses têm qualidades semelhantes às dos romanos (espírito guerreiro);
  • A sua língua é semelhante ao latim;
  • São devotos do amor e celebrarão a deusa.

7.ª parte – Consequências das intervenções (est. 34–35)

As palavras de Baco e Vénus provocam tumulto no Olimpo, expresso por uma comparação e aliterações que evocam o ruído da tempestade (est. 35).

8.ª parte – Descrição de Marte (est. 36–37)

Marte, deus da guerra, intervém a favor de Vénus, por amor antigo ou pela admiração pelos portugueses.

É descrito como um guerreiro — elmo, escudo e bastão — e a sua presença impõe respeito: “medonho e irado” (est. 36), “armado, forte e duro” (est. 37).

O seu golpe de bastão interrompe o tumulto — “O Céu tremeu, e Apolo […] Um pouco a luz perdeu” (est. 37) — exemplo de hipérbole.

9.ª parte – Intervenção de Marte (est. 38–40)

Marte dirige-se a Júpiter:

  • Recorda o valor dos portugueses;
  • Critica Baco e os seus motivos egoístas;
  • Refere que Baco devia apoiar os descendentes de Luso, seu companheiro;
  • Condena a inveja de Baco (“vem de estômago danado” – est. 39).

Termina dizendo que desistir seria fraqueza:
“Pois é fraqueza / Desistir-se da cousa começada.” (est. 40)

10.ª parte – Decisão final de Júpiter (est. 41)

Júpiter aceita os argumentos de Marte e confirma a decisão de proteger os portugueses na costa africana.

O episódio termina com a partida dos deuses:
“Para os determinados aposentos.” (est. 41)

 

Recursos Expressivos

  • Aliteração: repetição de sons consonânticos

    “Qual Austro fero, ou Bóreas na espessura / De silvestre arvoredo abastecida…” (est. 35)
    → Evoca o ruído e a agitação do Olimpo.

  • Apóstrofe: “Eternos moradores do luzente, / Estelífero Pólo e claro Assento” (est. 24)
  • Comparações:
    • “cetro rutilante / De outra pedra mais clara que diamante” (est. 22)
    • “Qual Austro fero, ou Bóreas na espessura…” (est. 35)
  • Hipérbole: “O Céu tremeu, e Apolo… Um pouco a luz perdeu” (est. 37)
  • Metáfora: “lenho leve” (est. 27) → fragilidade da embarcação e dos marinheiros.
  • Perífrases:
    • “Peio neto gentil do velho Atlante” (est. 20) → Mercúrio
    • “quem parece que é suspeito” (est. 38) → Baco
    • “Ua gente fortíssima de Espanha” (est. 31) → Portugueses
  • Sinédoque: “Tomarão ao Mouro forte e guarnecido…” (est. 25) → singular usado pelo plural.

 

Fichas para exercitar:

Ficha Concílio dos Deuses e gramática

Ficha Concílio dos Deuses e gramática soluções

Teste Concílio dos Deuses

Teste Concílio dos Deuses soluções

 

Mais exercícios sobre os Lusíadas

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